07/12/2011

todo mundo faz isso

eu vou fazer você
ler algo improdutivo
sem nenhum motivo
pra depois olhar
o relógio ou celular
e calcular o tempo 
perdido
em oito ou nove linhas
- que contei de cabeça

25/10/2011

Tradução da transcrição do discurso de agradecimento de Leonard Cohen no recebimento do prêmio de honra pela sua contribuição literária, prêmio príncipe de astúrias.



- Leonard Cohen:

- É uma grande honra estar aqui em frente a todos vocês essa noite. Talvez, como o grande maestro, Riccardo Muti, eu não estou acostumado a ficar em frente a um público sem uma orquestra atrás de mim, mas vou fazer o meu melhor como um artista solo essa noite.

Eu fiquei acordado a noite de ontem me perguntando o que eu deveria dizer para essa assembléia. Depois de ter comido todas as barras de chocolate e os amendoins do minibar, Eu rabisquei algumas palavras. Eu não acho que tenho que usá-las. Obviamente, estou profundamente emocionado por ser reconhecido pela Fundação. Mas eu venho aqui essa noite para expressar outra dimensão de gratidão; Eu acho que posso fazer isso em três ou quatro minutos.

Quando eu estava em Los Angeles, sentia um tipo de mal-estar porque eu sempre via alguma ambiguidade em um prêmio para poesias. A poesia vem de um lugar que ninguém comanda, ninguém conquista. Então, senti algo como um charlatão em aceitar um prêmio por uma atividade que eu não comando. Em outras palavras, se eu soubesse de onde vinham as boas canções, teria ido mais pra esse local.

Eu fui obrigado no meio desse calvário em ir lá e pegar minha guitarra.
Eu tenho uma guitarra Conde, que foi feita na Espanha em um grande workshop realizado na rua Gravina, número 7. Eu peguei um instrumento que adquiri há 40 anos. Tirei ele do case, o levantei, e ele pareceu estar preenchido de gás hélio de tão leve.

E coloquei ele perto do meu rosto, e coloquei meu rosto perto da roseta lindamente desenhada e inalei a fragrância da madeira viva. Nós sabemos que aquela madeira nunca morre. Eu inalei a fragrância do cedro e era tão fresca quanto no primeiro dia que comprei o instrumento. E uma voz disse pra mim, "Você é um homem velho e você nunca disse obrigado, nunca trouxe sua gratidão de volta para o solo d'onde surgiu essa fragrância. E então, eu estou aqui hoje para agradecer ao solo e a alma dessa terra que me deu tanto.

Porque eu sei que uma carteira de identidade não é um homem, uma avaliação não é um país.

Agora, vocês já sabem da minha profunda associação e confraternização com o poeta Frederico Garcia Lorca. Eu poderia dizer que, quando eu era um jovem, um adolescente, e eu estava faminto por uma voz, estudei os poetas ingleses e conhecia suas obras muito bem, e eu copiei seus estilos, mas não encontrava uma voz. Foi só quando eu li, mesmo em uma tradução, os trabalhos de Lorca que eu entendi que aquela era a voz. Não é que eu tenha copiado a sua voz; eu não me arriscaria. Mas ele me deu a permissão de encontrar uma voz, de localizar uma voz, que é encontrar um eu, um eu que não é fixo, um eu que luta pela própria existência.

Enquanto fui crescendo, eu entendi as instruções vindas daquela voz. Quais eram as instruções? As instruções eram: nunca lamentar casualmente. E se eu tiver de expressar a grande derrota inevitável que espera por todos nós, que o faça dentro dos limites  da dignidade e da beleza.

E então, eu tinha uma voz, mas não tinha um instrumento. Não tinha uma canção.

Eu era um guitarrista desinteressado. Sabia alguns acordes. Sabia só alguns deles. Eu sentava com meus amigos de colégio, bebendo e cantando canções folks e também as canções mais populares do dia, mas eu nunca, nem em mil anos imaginei que me tornaria um músico ou um cantor.

Um dia, no começo dos anos 60, eu visitava minha mãe em Montreal. A casa dela era do lado de um parque e, nesse parque, tinha uma quadra de tênis onde a garotada costumava ir pra ver aqueles belos (belas) jogadores (as) de tênis se divertindo com seu esporte. Eu vaguei de volta pelo parque que conhecia desde a infância e lá tinha um jovem tocando uma guitarra. Ele estava tocando uma guitarra flamenca e tinha uns dois ou três garotos ao redor do homem. Eu amei a maneira como ele tocou. Tinha uma coisa na forma de como ele tocava que me pegou. Era a maneira que eu queria tocar e sabia que nunca seria hábil para tal.

E, eu sentei lá com os outros que o escutavam por alguns momentos, e quando teve um silêncio, um silêncio apropriado, eu perguntei pra ele se ele poderia me ensinar a tocar. Ele era um jovem espanhol, e nós só podíamos nos comunicar no meu Françês quebrado e no Francês quebrado dele. Ele não falava inglês. E concordou em ensinar-me algumas lições de guitarra. Eu apontei para a casa da minha mãe, que poderia ser vista da quadra de tênis, e fizemos um acordo, ele definiu um preço.

Apareceu na casa de minha mãe no dia seguinte e disse, "Deixe-me ouvir você tocar algo." Eu tentei tocar alguma coisa e ele disse, "Você não sabe tocar, não é?"

Eu disse, "Não, eu não sei como tocar." Ele disse "Primeiro de tudo, deixe-me afinar sua guitarra. Está desafinada." Então, ele pegou a guitarra e afinou-a. Ele disse: "Não é uma guitarra ruim." Não era a Conde, mas a guitarra não era mesmo ruim. Então, ele devolveu ela pra mim e disse: "Agora toca".

Eu não podia tocar melhor que aquilo.

Ele disse "Deixe-me lhe mostrar alguns acordes." E ele pegou a guitarra e tirou um som daquela guitarra que eu nunca tinha ouvido. Tocou uma sequência de acordes com um trêmolo, e dizia, " Deixe-me pôr seus dedos nos trastes," e colocava meus dedos nos trastes. E dizia: "Agora, agora toca."

Foi um desastre. Ele disse, "Eu volto amanhã."

Ele voltou no dia seguinte, colocou minhas mãos na guitarra, colocou ela em meu colo da maneira que era apropriada, e comecei outra vez com aqueles seis acordes - uma progressão de seis acordes. Muitas, muitas músicas flamencas são baseadas nelas.

Eu estava um pouco melhor naquele dia. No terceiro dia - tinha melhorado, de alguma forma tinha melhorado. Eu sabia os acordes agora. E, eu sabia que mesmo que eu não coordenasse meus dedos com meu dedão para produzir aquele padrão correto do trêmolo, eu sabia os acordes, e sabia eles muito, muito bem.

No outro dia, ele não veio. Ele não veio. Eu tinha o número da sua, da sua casa em Montreal. Telefonei para descobrir o motivo da sua ausência, e alguém me disse que ele tinha se matado. Que ele tinha cometido suicídio.

Eu não sabia nada sobre aquele homem. Eu não sabia de que parte da Espanha ele tinha vindo. Eu não sabia por que ele veio até Montreal. Eu não sabia por qual motivo ele tocava lá. Eu não imaginava qual a razão dele aparecer lá naquela quadra de tênis. Eu não sabia porque ele tirou sua própria vida.

Eu fiquei extremamente triste, claro. Mas agora eu digo uma coisa que nunca disse em público. Foram aqueles seis acordes, foi aquele padrão de guitarra que foi a base de todas as minhas canções e minhas músicas. Então, agora eu começo a entender a dimensão da gratidão que tenho por esse país.

Tudo que vocês encontraram de bom no meu trabalho veio desse lugar. Tudo, tudo que vocês encontraram no meu trabalho de bom, nas minhas canções e na minha poesia foi inspirado por esse solo.

Então, eu agradeço muito pela calorosa hospitalidade que vocês sempre demonstraram pelo meu trabalho. Ele é realmente de vocês, e vocês me permitiram agora poder afixar minha assinatura no canto da página.




01/09/2011

ninguém morreu

sabe,
eu vou guardar
essa pedrinha
na gaveta
não por vingança
- longe de mim - mas
sim pra depois comê-la
quebrar meus dentes
e sorrir sangrando
pensando em você

24/08/2011

erramos, parte 34

o retrato empoeirado
no canto da caixa de papelão
nosso amor registrado
n'um pedaço de papel
amarelado -
que olhando bem 
quem ousaria negá-lo?
quem?

15/08/2011

para Daniel Johnston

um artista
caminhava sozinho
dessa vez não chovia
fazia um sol primaveril
abelhas, flores e árvores
essas coisas todas
pequenas da natureza
eu já ouvi do Daniel histórias de artistas
que envelheciam, ele disse
que alguns procuravam a fama e a glória
e que outros não eram tão ousados,
mas que ambos caminhavam sozinhos
apreciando a cena, sem preocupação,
enquanto os outros tentavam
justificar aquelas situações
procurando a luz do do sol
pela televisão

14/08/2011

chovia

domingo, nove da manhã,
um homem de fisionomia cansada
(mais ou menos uns setenta anos)
descia do carro -
de banho tomado, cabelo penteado,
ramalhete de flores na mão.
parecia bem. 
foi quando assim, sozinho,
coluna ereta,
entrou naquele cemitério.



11/08/2011

Aquele homem

todo dia, na mesma praça,
tem um homem sentado
exatamente no mesmo lugar.
sujo, barbado, mal tratado 
pelo trago e com um pescoço inclinado
que lembra sempre a posição 
de um certo homem na cruz.
nuns dias eu acho
que o homem é um santo
imagino a sua história


e têm outras vezes
que eu só queria saber
o que ele pensa
sobre o tempo

17/07/2011

ecologia

quando você me colocou
naquela sacola plástica
talvez acreditasse ingenuamente
que eu me conformasse -
afinal, eu estava preso
dentro de alguma coisa
que demoraria a decompor.
lembro de você parecer
gostar da situação:
suponho que não pensou
que eu fosse ver 
pouco antes de morrer
você lembrar dos nossos corpos nus
ao ver as sacolas intactas
e perceber que fui só eu
quem decompus.

11/07/2011

o canário

aquele canário
que cantava preso
sempre me pareceu
um pássaro idiota

se eu fosse ele 
ficaria calado
nem alpiste
nem obrigado
me fariam cantar
daquele jeito

só que pensando agora
não sei muito bem
se o canário era o esperto
e o idiota era...quem?

Pedro Vermelho

quando você joga o amendoim
pulo não por instinto
finjo uma reação física
caretas e piruetas
para estabelecer uma relação de troca
entre nossas espécies 
- diga-se de passagem - 
aprendi isso com um chimpanzé velhaco
que morava na jaula ao lado;
quando bebia e urrava a noite toda
batendo nas grades, nunca conformado
com a situação que se encontrava.
eu estava confortável no manejo
que era submetido por alguns amendoins
e só queria dizer, na minha condição de macaco,
que eu acho que somos iguais,
iguaizinhos,
não tem diferença
entre os amendoins
e as piruetas

05/07/2011

é

se eu soubesse desenhar
a sua boca triste
junto de meus indicadores
suavemente tocando
a pele das tuas bochechas
tentando forjar em você
um sorriso forçado, esbulhado,
pois só seu desenho do rosto
quando posto sorrindo
parece que empurra
o mundo

28/06/2011

não

não adianta,
é uma destreza
em esnobar
que só a sutileza
do ato esnobe
é encantadora.
não pelo não
não dito -
mas pela classe
do silêncio
da reticência
taciturna certeza
sabe,
eu agradeço:
obrigado
pelo desprezo
quando você se calou
fui tentar dormir,
e não deu. mas depois fui trabalhar
e tudo mais

17/06/2011

gaveta

procuro um rascunho
em alguma gaveta
qualquer frase inacabada
perdida, esquecida,
um mísero papel
que possa ter uma continuidade
ou outro fim

mas tem dia que ela tá vazia.
penso no papel
não em mim

13/05/2011

lamento

desencana, querida
que assim é a vida
que culpa nós temos
de viver o querer?
um deus obsceno
que renega a vontade
um triste senhor, aliás,
onde ele está?
alguém viu? 
alguém sabe?

deixou aqui
um nazareno
pregado na cruz
cheio de sangue
e sofrimento

eu lamento,
mas nós
estamos vivos

06/05/2011

14/04/2011

para Leonard Cohen

toda vez que chove
eu fico imaginando d'aqui
as pessoas em seus apartamentos
olhando por essas janelas
e
me pergunto quantas delas
depois de um suspiro
sentam e escrevem isso