02/11/2012

o rapaz

acordou cedo
n’um quarto de hotel
de algum lugar do mundo -
tomou banho,
escovou os dentes,
cuspiu na pia
a noite anterior
coisa que fazia
religiosamente -
repetia
os movimentos de sempre:
mesmos horários,
dias diferentes –
foi quando alguma coisa aconteceu
n'uma questão de segundo,
um movimento milimétrico do olho
n'um quadro, o cabelo branco.
um fio só -
em seguida, como n'um plano sequência,
veio a barba enviesada, 
paredes, chão...
enfim, o absurdo.
percebeu que não tinha nada
além de dois buracos
embaixo dos olhos
e
voltou a dormir

28/10/2012

chuveiro


eu não achava
que éramos tão diferentes
até você afirmar
com assustadora veemência
o que, provavelmente,
estava entalado aí dentro
há muito muito tempo.
talvez o nosso amor
tenha virado conveniência
ou estamos mudando
nos tornando velhos
buscando a falsa segurança
da vida burocrata:
dois cães,
três filhos,
fila do banco,
almoço de domingo -
eu discordo, mas considero justo.
você deve ter o direito
de amar o que quiser
o direito
de amar você mesma
a ponto de esperar de alguém
um futuro que planejou.
não julgo.
enquanto isso,
o tempo escorre pelo ralo
como a água do chuveiro
onde tomávamos banho
juntos

09/09/2012

o tímido (falando sozinho)

hã, assim,
não sei bem, mas
sinto que alguém
pensa igual a mim 
em silêncio

30/06/2012

esse cara

quando fica só
encontra alguém
calado, parecido com ele
cansado, resignado,
orgulhoso do vazio,
de alma amarela.
pensa que engana, mas
não. n'um sorriso falso
denuncia a mentira
de uma alegria forçada
que ninguém vê
que ninguém viu -
mas é sorriso
diria o narciso
é, pode até ser
ou um gesto mecânico
inconsciente
fingindo segurança:
uma falsa conversa

está sozinho
não são duas pessoas

19/04/2012

cidade

ouço
o som de um martelo
batendo no tijolo
de alguma construção
aqui perto.
esqueço o resto,
não vejo movimento.
só escuto a batida regular
- toc, toc, toc -
o tilintar
metrônomo do cotidiano
de algum humano
de alguém
com nome e sobrenome.
n'um segundo ouço, 
n'outro esqueço.
o mundo volta,
eu não termino
essa história anônima
sobre o som
de um martelo

16/04/2012

a casa

todo dia
uma casa é derrubada.
pedaços de concreto
vão
ferro retorcido
e etc's.
mas toda vez
que uma casa é derrubada
independente
da lágrima derramada
por cada morador
outra terá de ser construída
nova
até o dia
que ela será derrubada
outra vez
por outro alguém

mais pedaços de concreto
vão
ferro retorcido
e etc's.

17/02/2012

2:35 da manhã

quando eu não tenho sono
acho que vou escrevendo
o que provavelmente possa ser lido
por alguém como eu
n'uma noite como essa